quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Canções Mexicanas - Gonçalo M. Tavares

"Na quarta vez o padre suicidou-se de outra forma, recomeçou o muchacho, completamente diferente na quarta vez."

Essa epígrafe mostra exatamente o que livro é: a cara do México e a cara do Gonçalo M. Tavares.

É difícil ser imparcial quando o autor em questão é disparado um dos meus escritores preferidos. Como não poderia ser diferente, Canções mexicanas é mais uma obra desafiadora e fascinante do escritor português. A editora Casa da Palavra optou por colocar na ficha catalográfica a classificação "contos". Talvez até sejam, e também não é meu objetivo aqui abrir uma discussão sobre o gênero. O que eu quero ressaltar é que o autor optou por chamar os textos desse livro de canções. Vi uma entrevista antes de ler o livro na qual o autor comenta o assunto, logo, durante a leitura, pensava a todo tempo sobre o conceito de canção como gênero literário. Recomendo.



As canções giram em torno de um turista que chega à Cidade do Méxio e tem como guia um "bambino". O bambino é um nativo que, depois de prover seu cliente com algumas doses de Mezcal, o  leva para conhecer os contrastes desse país, onde ter a máquina fotográfica roubada vale a pena, pois existe a mais bela catedral na qual o Senhor do Veneno nos protege das invejas.

A obra nos dá uma visão peculiar do país, um olhar europeu que se espanta com a efervescência do lugar e que não consegue compreender muito bem a lógica mexicana:

Preciso de urinar, diz o bambino, levanto o braço, paro, sou empurrado, para um lado, depois para outro, ninguém pára, o bambino pergunta-me se estou a gostar do México, eu digo que sim - então corre, diz-me ele, e sim, começo a correr, não entendo porquê - mas sou um menino obediente - então corre diz ele, corre, não pares, corre!

O turista então passa a pensar a história do México para compreendê-lo - afinal é assim que sempre foi em seu mundo, quando não se entende uma cultura, busca-se seu passado, para assim desvendá-la. Obtém respostas, nenhuma definitiva:

Quanto pesa a história do México? - menos de 100 gramas, digo. Não, emendo: 500 gramas, talvez. É a pirâmide de los Nichos, uma miniatura. Tem um nicho por cada dia, um buraco onde podes pôr um presente, 365 como o dias; tens um ano (dos antigos) na mão amigo, estás contente? digo que sim e pago 100 pesos.

(...)

De qualquer maneira aqui estou eu, no meio da Cidade do México, a tentar encontrar a casa de Frida Kahlo, depois de estar uma manhã a olhar para os murais de Rivera: como concentrar a história em pessoas, como se a história fosse um somatório de biografias, a história de um país como o somatório de cinco milhões de vidas, ou talvez apenas como o somatório das vidas realmente relevantes - os que matam, os que torturam, os que salvam, os que fazem grandes discursos, os que têm pontaria - enfim, eis a história do México, em parte isto: o somatório da biografia de, valá, 200, 500 homens? Quantos, na verdade? É difícil dizer.

Conclui-se, mais uma vez, que não é possível compreender toda a cultura de um povo com critérios de outra. O turista não foi capaz de perceber a lógica do México, ainda que o bambino e outros personagens tenham avisado-o tantas vezes: a lógica está no movimento, no dinamismo. Quem não acompanha toda essa agitação corre o risco de sucumbir, eis a grande lição do povo mexicano para o turista e para nós.

Edição:

TAVARES, Gonçalo M. Canções mexicanas. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.


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