quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A infância de Jesus - J. M. Coetzee

Não, esse não é o melhor livro do Coetzee. Não, não é tão bom quanto Foe. Não, não chega nem aos pés de Waiting for the Barabarians. Sim, Elizabeth Costello é bem melhor. Só que ainda assim é um baita romance, fim. Acho que isso é até comum entre grandes escritores (eu ia dizer entre escritores fodas, mas parece que não é apropriado).

Ano passado, Coetzee esteve no Brasil para divulgar este seu último trabalho e passou por Porto Alegre. Rolou uma conferência, e, na sequência, uma sessão de autógrafos. Aí foi uma problemão para essa que vos escreve, já que todos os livros que eu havia lido do autor tinham sido em versão e-book. E o que é pior, pirateados. De última hora, comprei no próprio local da conferência o novo A infância de Jesus. Sim, peguei autógrafo. Eu acho essa história meio complicada, já que se transforma o escritor em uma celebridade, fico com vergonha e nunca sei o que dizer, mas azar, eu aguento. Debord mandou um beijo.


Sobre o enredo, A infância de Jesus é um romance distópico. Um homem e uma criança chegam até a cidade de Novilla, após passarem algum tempo acampados em Belstar. Eles chegaram ali de navio, mas não sabem de onde vieram, pois tiveram suas memórias apagadas. Pela mesma razão, parecem ter perdido sua noção de identidade. Precisam aprender uma nova língua até, no caso, o espanhol.

Novilla dá a impressão de fazer parte de uma sociedade comunista. Todos têm direito à moradia, à alimentação, à educação. No entanto, não parecem ter o direito de pensar, questionar. E nem querem. Tal habilidade parece ter sido desativada juntamente com a memória. Com a exceção de Simón e David (nomes que receberam ao chegar à nova terra), que eventualmente indagam contradições à sua volta.

Apesar disso, Simón não é necessariamente um revolucionário, vez outra faz sugestões para mudar determinadas circunstâncias, mas dificilmente elas são bem recebidas. Por exemplo, ele sugere que usem um guindaste em seu trabalho no porto, ao invés de carregarem todos os sacos de trigo nas costas:

     "Dava, sim", o capataz concorda. "Mas para quê? Para que fazer as coisas em um décimo do tempo? Nem tem nenhuma emergência acontecendo, nenhuma falta de nada, por exemplo."
      Para quê, de fato? Parece uma pergunta genuína, não um tapa na cara. "Para a gente usar o esforço em alguma outra coisa melhor", ele sugere.
     "Melhor que o quê? Melhor que fornecer pão para nossos irmãos?"


Aina assim, Simón se conforma com a vida que tem, dá valor a essa chance que lhes foi concedida:

"Não sei o que dizer. Estamos aqui pela mesma razão que todo mundo está. Nos deram uma chance de viver e nós aceitamos essa chance. É uma grande coisa, viver. É a coisa mais importante de todas."

Simón também tem uma missão: encontrar a mãe de David, que estava sozinho no navio e perdeu uma carta que explicaria quem ele era e onde estava a sua mãe. Após uma breve investigação, Simón decide que a mãe de David é Elena, afirma que ao olhar para mãe de David, saberia que era ela, e é assim que procede. Não é esclarecido para o leitor se Elena realmente é a mãe do menino, mas isso não interessa, o que importa é que Simón cumpriu sua missão e não sabe muito bem o que fazer. Por sentir falta da criança, acaba por permanecer próximo, auxiliando na complexa tarefa de educar David.

O desfecho da história é interessante, mas o que mais me atraiu no livro foram as dúvidas levantadas pelo narrador nas entrelinhas. Refletir sobre o mundo em que vivem não parece ser o forte dos personagens ao redor de Simón. Ao se juntar a um grupo de filosofia, ávido por gastar seu tempo livre pensando, o protagonista se frustra ao descobrir que tudo que discutem é a natureza de mesas e cadeiras.

A tal igualdade entre os habitantes também é anormal. Enquanto alguns vivem em grandes condomínios constituídos por pequenos apartamentos, outros vivem em verdadeiros resorts de luxo. Em princípio, as pessoas são alocadas em residências aleatórias, se um está em uma casa luxuosa é por pura sorte. No entanto, a impressão que temos é que esse seria um resquício de outra realidade, na qual a desigualidade era a regra.

A grande diferença que vejo nessa distopia, é como a aparência de igualdade, os direitos de fachada e a ilusão de liberdade são de fato muito piores que uma ditadura declarada, pois não é possível depreender exatamente quais são os limites e muito menos se sabe por que lutar, tudo é muito subjetivo. Ainda enquanto distopia, o romance nos faz avaliar nossa condição de ocidentais do século XXI. Será que somos realmente questionadores como Simón e David ou será que somos mesmo conformados com as circunstâncias em que vivemos?

Boa leitura!

Edição:

COETZEE, J. M. A infância de Jesus. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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