sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A maçã envenenada - Michel Laub

Não há frase na agenda sobre essa sensação quase absoluta, que às vezes me assustava porque é só estender a liberdade e de um instante para outro você não tem mais passado, nem sente falta de nada porque é como se nada tivesse acontecido, ou só as coisas que você escolheu, as lembranças boas e inofensivas, e nada do que você disse ou fez a uma pessoa tem consequência porque nunca mais precisará encontrá-la, nem pensar nela, nem imaginar e confrontar o que foi feito dela em outro tempo e outro continente numa vida que às vezes nem parece ter sido a sua.

Não sabia, mas esse livro é o segundo volume de uma trilogia que trata das relações e dos efeitos individuais que grandes tragédias podem trazer. O primeiro título da série se chama Diário da queda, que, infelizmente, eu ainda não li.


Os eventos que giram em torno do personagem são um show da banda Nirvana, que aconteceu em São Paulo em 1993 e o suicídio do vocalista no ano seguinte. Como contraponto, está a história de Immaculée Ilibagiza, sobrevivente da guerra em Ruanda. De um lado, está o astro do rock com fama e dinheiro. De outro, está a a refugiada que fica 90 dias em um banheiro com outras setes mulheres, praticamente sem alimento. O primeiro dá cabo a sua vida, a segunda luta ferrenhamente pela sobrevivência. Enquanto isso, o protagonista chega a cogitar o próprio suicídio.

Esse narrador-personagem é um estudante de classe média que se vê obrigado a largar projetos promissores com sua banda e a interromper a faculdade para prestar o serviço militar obrigatório. São várias experiências conjuntas: frustração com o curso de Direito, primeira (e problemática) namorada e a revolta com a falta de sentido das atividades do quartel.


Já na terceira página do livro, o autor menciona a "umidade e a sujeira do verão em Porto Alegre". Curiosamente, li o livro em uma das piores ondas de calor desse verão de Forno Alegre...

A narrativa se dá em flashback, em uma espécie de análise ou balanço que o personagem faz daquele período de sua vida. Detalhes significativos, como por exemplo, se ele conseguiu chegar até o show do Nirvana ou não, somente são revelados no final do livro.

Ainda que a história seja simples, A maçã envenenada é um excelente romance. Tem um personagem intimista que procura seu lugar no mundo, como se naquele período conturbado de sua vida estivesse sua identidade: "e é por isso que em quarenta anos de vida analisada a única passagem que permanece numa zona de sombras é o período próximo do show do Nirvana.".

Boa leitura!

LAUB, Michel. A maçã envenenada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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